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31 - Torop e a traduzibilidade (primeira parte)

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Nas unidades anteriores, foram examinados alguns critérios de traduzibilidade extraídos dos pensamentos de lingüistas, filósofos, semiólogos e estudiosos da cultura. A partir de suas opiniões, muitas vezes divergentes, é difícil sintetizar uma postura comum que possa ser considerada, em tradutologia, como conclusão provisória do conceito de "traduzibilidade".

O único elemento que surge com clareza de todos os estudos citados é que "tradução" é um conceito indefinido. São muitas e muito diversas as opiniões sobre as relações entre língua e cultura e língua e pensamento. Vimos que, na opinião de Lotman, a vida que ferve na semiosfera é um enxame de traduções. Partindo desta ótica, a traduzibilidade é uma espécie de clorofila que serve à fotossíntese da vida cultural, sem a qual a cultura se extinguiria.

Do ponto de vista dinâmico da comunicação lingüística-textual-cultural, podemos considerar que no, instante em que uma pessoa compreende um conceito, produz-se um fenômeno de tradução radical. Mas se, por um lado, qualquer um pode entender (traduzir) um fenômeno à sua maneira, oferecendo assim uma contribuição pessoal e original à semiosfera, existe, por outro, uma espécie de "percepção média", uma modalidade padrão indefinida, à luz da qual se lê (interpreta) um texto e se percebem suas conotações culturais e textuais 1.

Além da possibilidade de interpretação livre de qualquer objeto cultural, que poderia chegar ao limite do que Eco denomina "decodificação aberrante", também temos que

"culture as education, memory, and perception by the reader of any new text depending on the cultural experience of the perceiver, to the point that in a sense any text in a reader's hands has already been read; in other words, it is immediately subjected to customary rules, peculiarities are neutralized, novelties lost. While, at the opposite extreme, there is encompassed within the text itself, an image of the audience, that is, the possibility of a given optimal perception2 (...a cultura, como educação, memória e percepção do leitor de qualquer texto novo, depende da experiência cultural daquele que percebe, a tal ponto que qualquer texto que chega às mãos do leitor já foi lido; em outras palavras, ele é imediatamente submetido às normas convencionais, as particularidades são neutralizadas e perde suas características de novidade. Ao mesmo tempo, e no pólo oposto, o texto mesmo contém uma imagem do público, ou seja, a possibilidade de uma percepção ótima determinada)".

Na opinião de Torop, dado que a traduzibilidade não pode ser enfocada de uma perspectiva única, é possível identificar três aspectos distintos:

  • a traduzibilidade como um aspecto cultural-lingüístico e poético do texto; é o enfoque que leva a considerar o espectro de traduzibilidade/intraduzibilidade ao longo do eixo dos textos, de suas características intrínsecas, prescindindo da interação de um texto com um leitor determinado, ou seja, do desfrute individual;
  • a traduzibilidade da unidade perceptiva ou conceitual do texto; é a mesma visão do ponto anterior, mas aqui o texto é concebido em seu fragmento e não em sua totalidade;
  • a traduzibilidade como a predefinibilidade da recepção do texto em uma certa cultura; neste caso, é destacada a relação entre um texto e uma determinada cultura, e são analisadas as interações potenciais.

O tradutor pode servir-se de um destes aspectos, considerando-os dominantes diferentes, para seu enfoque do texto que vai traduzir.

Além deste grupo de possíveis dominantes, referentes ao texto, também podem ser dominantes a tradução ou original, o tradutor ou a cultura receptora.

"No primeiro caso, o próprio texto dita sua traduzibilidade ótima. No segundo caso, o tradutor, como personalidade criativa, se realiza mediante a escolha do método de tradução, que por sua vez indica o grau de traduzibilidade. No terceiro caso, o tradutor se baseia no possível leitor da tradução ou nas normas culturais (sociais e políticas); ou seja, define o grau de traduzibilidade segundo as condições da percepção. Estes são três tipos gerais de traduzibilidade3".

Torop identifica outros cinco parâmetros de traduzibilidade, cada um dos quais corresponde a uma estratégia de tradução diferente. Na coluna esquerda da tabela seguinte pode observar-se a descrição de cada parâmetro e, na direita, a estratégia de tradução correspondente 4:

A TRADUZIBILIDADE DA CULTURA

Parâmetros de traduzibilidade Estratégias de tradução
Língua:
categorias gramaticais
realia (expressões culturais)
normas de conversação
associações
imagem do mundo
discurso

nacionalização (naturalização)
transnacionalização
desnacionalização
mescla
Tempo:
histórico
do autor
dos fatos
cultural

arcaização
historicização
modernização
neutralização
Espaço:
social
geográfico
psicológico
concretização perceptiva:
localização
visualização
naturalização
exotização
neutralização
Texto:
sinais de gênero
níveis cronotópicos
narrador e narração
aura expressiva do personagem
léxico do autor e sintaxe
sistema de meio de expressão

conservação/não-conservação da estrutura (hierarquia de elementos e de níveis)
conservação/não-conservação da coerência
Obra:
complementaridade do metatexto
(livro):
pressuposição
interpretação
reação dos leitores

versão dos leitores
esclarecimento intratextual
comentários interlineares
comentários especiais ao final
comentários sistemáticos gerais
compensação metatextual
Manipulação sociopolítica:
normas e proibições (editio purificata)
tendenciosidade da tradução

depuração (tendenciosa) dos textos
orientação do texto

Na unidade seguinte, analisaremos cada parâmetro e suas estratégias correspondentes.

 

Bibliografia

ECO U. Interpretation and Overinterpretation. Umberto Eco with Richard Rorty, Jonathan Culler, Christine Brooke-Rose; editado por Stefan Collini. Cambridge, Cambridge University Press, 1992. ISBN 0521402271 - 0521425549 (rústica).

TOROP P. La traduzione totale. Ed. por B. Osimo. Modena, Guaraldi Logos, 2000. ISBN 88-8049-195-4. Ed. or. ed. Total´nyj perevod. Tartu, Tartu Ülikooli Kirjastus [Edição da Universidade de Tartu], 1995. ISBN 9985-56-122-8.


1 Torop 2000, p. 141.
2 Eco 1995, p. 82.
3 Torop 2000, p. 142-143.
4 Torop 2000, p. 157.


 



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