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25 - Significado e sentido

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«Escutar, pois, alguém
que está traduzindo de uma outra língua implica
um flutuar de hesitação ao redor das palavras,
uma margem de indeterminação e de
provisoriedade [...] »
1.

Agora que vimos o que dizem alguns estudiosos sobre a leitura e a percepção do texto em geral, examinaremos mais especificamente a problemática tradutiva sobre de que modo a colocação do sentido do texto repercute na sua transposição e recodificação.

Aleksandr Davìdovich Shvejcer analisou este problema começando por distinguir o significado (znachenie) do sentido (smysl). Os significados, enquanto tais, referem-se à estrutura da língua concreta em questão. Os significados, em outras palavras, derivariam de sinais puramente lingüísticos e deveriam ser pesquisados unicamente no contexto do código do qual fazem parte. Dado que a visão de mundo de uma cultura é expressa a partir de uma linguagem natural, assim como pela quantidade de palavras existentes naquela língua e pela divisão dos sememas expressos entre as palavras que podem exprimi-los, não tem sentido procurar o significado de uma palavra na palavra de uma outra língua e de uma outra cultura. Cada palavra teria um significado relativamente preciso somente dentro do código lingüístico da própria língua.

Considerando estas hipóteses como boas, resultaria muito perigoso projetar ou terminar um dicionário bilíngüe (como descrever o significado, embora lingüístico, "preciso" de uma palavra com palavras de um outro código lingüístico?), embora pareceria um pouco menos arriscado produzir dicionários monolíngües, em que, dentro do mesmo código, busca-se descrever o significado de uma palavra com outras palavras.

Deste ponto de vista, interpretar um texto significa identificar as designações concretas (oboznachenija) mediante os significados dados na língua correspondente, embora traduzir signifique encontrar, para designações concretas já identificadas no prototexto, significados tais na língua do metatexto que possam exprimir apenas estes significados2.

Shvejcer sustenta implicitamente que, para mais árduo que seja localizar significados das palavras com outras palavras de outros códigos, é quase sempre possível entender que coisa uma palavra indica no específico do contexto. Talvez seja uma visão um pouco otimista, mas para o momento continuamos a seguir o seu argumento.

Como sabemos, modificando o contexto cultural, modifica-se também a rede semiótica de referência, e portanto muda - ou pelo menos pode mudar - o sentido daquilo que é dito. Podemos, então, definir deste modo a distinção entre sentido e designação: o sentido é o valor que assume uma certa designação dentro de uma cultura específica. Mais as duas culturas - do prototexto e do metatexto - são distantes, mais estão longe os cronotopos que as constituem, mais são freqüentes as discrepâncias entre designação e sentido ou, dito de outro modo, entre designação do significado lingüístico e significado cultural (sentido). A designação é uma categoria da linguagem, embora o sentido é uma categoria do discurso, da enunciação, do texto. Vygotskij afirmava que «o significado de uma palavra é uma potência que se realiza no discurso vivo na forma de sentido»3. Shvejcer, na sua esteira, afirma que

[...] entre significado e sentido não há uma barreira intransponível. O sentido é o significado de uma unidade lingüística atualizado em um enunciado4.

Na tradução interlingüística, temos necessidade quase sempre de traduzir não o significado mas o sentido, então é muito importante ter presente esta distinção. Mas é sempre possível distinguir o sentido do significado e, sobretudo, o sentido é uma entidade de tal forma alta que pode ser expresso independente do contexto lingüístico e cultural?

Sobre isto, L'vovskaja é otimista, dado que pensa que se possa responder «sim». Para a estudiosa russa, de fato, o significado lingüístico vale somente dentro do próprio código porque tem um valor sistêmico, enquanto o sentido pode sobreviver aos diferentes contextos, mas é expresso diferentemente nas diferentes línguas:

[...] o significado é uma categoria lingüística, mais propriamente sistêmica, então os significados da unidade das várias línguas podem não coincidir em vários parâmetros (descrições de conteúdo, volume e lugar no sistema) [embora o sentido] é uma categoria da comunicação, não depende das diferenças entre as línguas e pode ser expresso mediante meios lingüísticos diversos nas diferentes línguas5.

Vejamos como se pode exemplificar em um texto, de maneira prática, tal diferença. Shvejcer propõe o caso de killing, murder e manslaughter. Embora killing seja genérico e signifique «morte, homicídio» sem posteriores especificações, em termos sobretudo jurídicos murder significa «homicídio voluntário» e manslaughter «homicídio involuntário». A característica distintiva entre murder e manslaughter é a voluntariedade/involuntariedade do ato, mas isto não significa que em qualquer cotexto - contexto enunciativo - seja necessário especificar «homicídio voluntário» ou «homicídio involuntário».

Por exemplo, na frase «Am I supposed to have committed a murder?» («Sou acusado de ter cometido um homicídio?»), a situação descrita no texto até este momento neutraliza a oposição voluntariedade/involuntariedade, então seria bastante estranho se a tradução soasse: «Am I supposed to have committed a deliberate killing?» («Sou acusado de ter cometido um homicídio voluntário?»).

Há, todavia, casos em que a oposição voluntariedade/involuntariedade é ativada e, portanto, a compreensão do texto é possível somente tendo a oposição em conta. Na frase «The Pentagon lawyers are leaning over backwards to prove that the Songmy massacre was killing, not murder», evidentemente tal distinção torna-se fundamental, então também na tradução é necessário ter isto em conta6.

Existem casos em que a diferença entre significado e sentido é mais marcada, mas o contexto (e a semelhança de duas culturas com relação à possibilidade que ocorra tal situação contextual) pode vir em socorro do tradutor.

Na situação prosaica em que alguém recebe um telefonema que seria para a um destinatário diferente, nas várias línguas existem as expressões

  Vy ne tuda popali
  You must have the wrong number
  Sie haben falsch gewählt
  Você errou o número

Nas culturas contemporâneas em que é difundido o uso do telefone, é facílimo para um leitor entender qual situação é igual àquela descrita e reinterpretá-la aplicando as palavras provavelmente empregadas, na metacultura, na situação descrita na protocultura. Soaria, então, muito estranha uma tradução em inglês, digamos, da frase russa como esta:

  You have not hit there.

Do ponto de vista da eficácia comunicativa, é muito mais oportuno usar a frase «You must have the wrong number» e inseri-la no texto sem prestar atenção aos problemas de correspondência lingüística de palavras separadas.

Por outra parte, este argumento nos induz a considerar, além do significado dos enunciados, também sua marcação. A frase russa Vy ne tuda popali não é marcada, mais propriamente é aquela que banalmente alguém poderia dizer em uma situação como aquela descrita. Mas imaginemos que, pelo contrário, a resposta seja marcada, por exemplo, que alguém ao telefone diga:
People dialing this number usually want to talk to someone else. Neste caso, uma tradução adequada deve considerar tal marcação (aqui se trata de um sinal que é lançado ao leitor para indicar-lhe que quem fala se expressa em um modo insólito, deixando em suspense o motivo de tal estranheza) e tentar reproduzir com um enunciado tão marcado, possivelmente de um modo similar.

Vejamos que a presumida unicidade do sentido é inacessível, até mesmo se do nível dos códigos lingüísticos formos para os códigos semióticos. Aquilo que acontece, para o significado, entre dois códigos lingüísticos - a impossibilidade de procurar em um código uma palavra "correspondente" àquela de um outro código - acontece também para o sentido. Entre dois códigos semióticos pode existir uma diferença enorme de sentido entre duas ações perfeitamente idênticas. Por exemplo, colocar as mãos no bolso, em certas culturas, para um homem adulto tem a conotação de um gesto rude e trivial, de mal-educado, embora em outras culturas seja um modo normalíssimo de estar em sociedade. Esta diferença acontece sem considerar todas as culturas contemporâneas onde não existem nem as calças nem os bolsos, nem as culturas de épocas passadas. Não nos surpreenderia, então, se também a simples frase «You must have the wrong number» fosse, em certas culturas, vista como uma comunicação hostil ou mal-educada. Alguém, por exemplo, poderia ofender-se porque o número digitado é definido como «errado», quando na realidade é um número eticamente correto que tem a característica de não servir para conectar-se com um certo aparelho telefônico.

 

Bibliografia

CALVINO I. Se una notte d'inverno un viaggiatore, Turim, Einaudi, 1979.

L'VOVSKAJA Z. D. Teoreticheskie problemy perevoda, Moscou, Nauka, 1985.

SCVEJCER A. D. Teorija perevoda: status, problemy, aspekty, Moscou, Nauka, 1988. ISBN 5-02-010882-0.

VYGOTSKIJ L. S. Izbrannye psihologicheskie issledovanija, Moscou, 1956.


1 Calvino 1979, p. 67.
2 Shvejcer 1988, p. 113.
3 Vygorskij 1956, p. 370.
4 Shvejcer 1988, p. 114.
5 L'vovskaja 1985, p. 81-82.
6 Shvejcer 1988, p. 116-117.


 



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